Medo e Delírio em Las Vegas
"Deixa eu explicar pra você de um jeito bem simples. A gente tá procurando o Sonho Americano. Falaram pra nós que ele tá aqui por perto... Bem, a gente tá aqui atrás dele, porque nos mandaram vir lá de São Franciso pra fazer isso. Pra encontrar o sonho. É por isso que nos deram esse Cadillac branco. Acham que assim talvez fique mais fácil de encontrar..."
Finalmente sai no Brasil Medo e Delírio em Las Vegas, a obra-prima de Hunter Thompson, em que ele e seu advogado samoano vão à cidade dos cassinos tentar entender, através de corridas de motos no deserto e convenções policiais sobre drogas, o que aconteceu com a América.
Mas a impressão que temos é que antes de a viagem começar eles já conheciam a resposta. Sabiam que o país tinha perdido sua última chance. Em 71, ano em que o livro foi escrito, Jimi Hendrix e Janis Joplin já estavam mortos, deixando Nixon e o Vietnã em seu lugar. Com isso o que de fato acontece é que Thompson e seu companheiro nem ao menos tentam fazer alguma investigação, mas decidem aproveitar a viagem para fazer uma declaração. Eles enxergam exatamente a mesma coisa que Robert Crumb, mas ao invés de se tornarem críticos distantes e cínicos como ele, optam pela posição contrária, a assimilação e o confronto direto com o "inimigo".
Ambos se entopem de todos os tipos de drogas imagináveis e passam a apavorar corretos cidadãos americanos, arranjar brigas com garçons e destruir carros e quartos de hotel, como que dizendo "se é isso que vocês querem é isso que vão ter". No fim, a coisa toda se torna uma jornada destrutiva que parece adiantar em alguns anos o No Future formalizado no final daquela década. O Doutor Thompson questiona:
"Ah, que perda de tempo. Memórias dolorosas e flashbacks horrendos, dirigindo por entre as brumas do tempo na Stanyan Street... relembrar não faz sentido e não proporciona nenhum conforto aos que restaram. A questão, como sempre, é - e agora...?"Curioso é que o livro não tem um tom pesado, não é uma daquelas narrativas sobre drogas e corrupção que pregam o apocalipse. Muito pelo contrário, toda a loucura é desejada e induzida pelos próprios protagonistas. Parece que à sua maneira eles experimentam a transição explicada por David Harvey (Condição Pós-Moderna):
"O modernismo dedicava-se muito à busca de futuros melhores, mesmo que a frustração perpétua desse alvo levasse à paranóia. Mas o pós-modernismo tipicamente descarta essa possibilidade ao concentrar-se nas circunstâncias esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive as lingüísticas) que nos impedem até mesmo de representar coerentemente, para não falar de conceber estratégias para produzir, algum futuro radicalmente diferente."É como se constatassem que o sonho havia definitivamente acabado e testassem de forma inocente e desesperada, através da alteração química de seus estados mentais, como seria a vida após isso, intuitivamente entendendo a idéia apresentada em O Anti-Édipo:
"Um esquizofrênico passeando é um modelo melhor que um neurótico deitado no divã do analista. Uma respirada de ar fresco, uma relação com o mundo exterior."
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